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Aviação e História > AVIAÇÃO E HISTORIA > Raid do Avião “Duque de Caxias” (Primeira Parte)
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\.o./ Aviação e História \.o./

 Preparação e Partida

SO Jefferson E. S. Machado*

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Os jornais cariocas de setembro de 1931 foram ocupados com notícias que descreviam e narravam a aventura de três membros da oficialidade da Aviação Militar. O “Correio da Manhã” do dia 12 de setembro anunciava a peripécia com o seguinte título: Um cruzeiro de amisade e arrojo pelos paizes ibero-americanos – Parte hoje do Campo dos Affonsos o avião “Duque de Caxias”[1].

 

Esse tipo de viagem era chamado de “Raid Aéreo”. Temos que entender que tratava-se de um período embrionário da aviação, em que tal atividade era realizada por pioneiros com aeronaves precárias e pouco potentes. Aviadores inexperientes com recursos de solo e auxílios à navegação insipientes tornavam simples voos, fora dos limites locais, em verdadeiras aventuras aéreas. Dessa forma, quando começaram, qualquer voo que ultrapassava as cercanias dos centros de aviação passou a ser chamado de “raid”. Conforme foram rompendo-se estas barreiras eles passaram a se estender territorialmente e atravessar grandes obstáculos naturais, como oceanos e cordilheiras[2].

Os encarregados para essa missão foram os seguintes militares da Aviação Militar: Capitão Archimedes Cordeiro, Tenente Francisco de Assis Correia de Mello e Tenente Godofredo Vidal. Antes de prosseguirmos no texto seria bom entendermos essas escolhas.

O Primeiro formou-se em Engenharia pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) em 1942[3]. . Como Brigadeiro, foi o primeiro oficial general a comandar a Escola de Especialistas da Aeronáutica em 1954 e, em 1958 já como Major Brigadeiro, participou do grupo precursor nos estudos da viabilidade do ingresso da Força Aérea Brasileira nos estudos sobre lançamento de mísseis.

O segundo tornou-se aviador em 1927. Em 1932 lutou ao lado do Governo Federal na repressão à Revolução Constitucionalista. Ficou conhecido a partir de então pela sua grande perícia, coragem e pela alcunha de “Mello Maluco”. Ao final de sua carreira, galgou o posto mais alto da força chegando a Ministro da Aeronáutica[4]. .

O último foi piloto observador e instrutor da Escola de Aviação Militar. Fundou e organizou, no Campo dos Afonsos, o Serviço Meteorológico Militar em 1934. Falava mais quatro idiomas, além do português, e foi um dos fundadores do primeiro grupo de Escoteiros do Ar em 1938. Passou para a reserva como Coronel em 1948 e, na inatividade, foi promovido a Major Brigadeiro. Além disso, como participante da Comissão de Turismo Aéreo do Touring Club do Brasil criou a Semana da Asa[5] .

Sendo assim, em uma missão tão difícil tecnicamente – cobrindo grande extensão territorial e tendo que ultrapassar a Cordilheira do Andes - e importante diplomaticamente, havia a necessidade de três pontos fundamentais para seu sucesso. Inicialmente um avião que fosse confiável e uma logística que garantisse o suprimento e as condições técnicas da viagem, itens esses que trataremos posteriormente. Depois, de pessoal qualificado que possuísse boa técnica e perspicácia na pilotagem, afinidade com a mecânica, fluência em outros idiomas e um observador aéreo. Como vimos, o trio possuía em conjunto todas elas o que inicialmente ajudou. Vidal e Cordeiro confirmam parte dessa proposição na matéria do jornal “Diário de Noticias” às vésperas da viagem. Ali, o primeiro afirmou que os outros são melhores pilotos e o segundo o chamou de "nosso diplomata"'[6].

A aeronave escolhida foi o Amiot KG22 prefixo K 622, que era uma aeronave de guerra. Ela foi batizada com o nome de “Duque de Caxias”, em homenagem ao Patrono do Exército, pelo então Ministro da Guerra General de Brigada José Fernandes Leite de Castro. O aparelho era equipado por um motor de 650 HP com autonomia de voo de 13 horas, a uma velocidade média de 160 Km/h. Atingia 4,5 mil metros de altitude e consumia aproximadamente 0,9 litros de combustível por quilômetro voado. Como era próprio para o combate aéreo, possuía 3 carlingas[7] que eram destinadas, originalmente, ao piloto, ao metralhador e ao observador. Que se comunicavam através de bilhetes, como os que fazem parte do acervo do Museu Aeroespacial e que foram trocados entre os tripulantes do Duque de Caxias. Eles ainda ficavam à mercê do tempo, sem nenhuma proteção contra a chuva e o vento. Além disso, só possuíam a bússola e a observação de indicadores no solo como meio de orientação para a navegação aérea.

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Quanto à logística, o “Correio da Manhã” informou que em cada uma das paradas deveria ser feita uma revisão completa da aeronave pelos próprios pilotos. Quanto ao consumo de combustível, foram feitos testes que levaram ao cálculo de 125 litros por hora voada, já que eram necessários 0,892 litros por quilômetro voado. Além disso, o motor exigia 35 litros de óleo por hora. De 25 em 25 horas de voo, outros mecânicos iriam realizar revisões no Amiot[8]

Segundo o “Diário de Noticias”, os pilotos já estavam preparados, pois haviam empreendido um período de profundos estudos e preparação para a empreitada. A viagem, que iria começar no dia 11 de setembro às 07h30min, foi programada para visitar os países ibero-americanos, com exceção de Cuba. O ponto de retorno seria o México e a primeira parada para reabastecimento em Porto Alegre. Deveriam ser percorridos 23.090 Km, com uma duração prevista de 48 dias e 158 horas de voo efetivo[9].

Conforme informação do Correio da Manhã, seria enviado um motor Amiot Lorraine ao Panamá, a fim de trocar o outro que a essa altura já deveria estar muito desgastado. Além disso, a missão era apoiada pela empresa Telegrapho Nacional, pela Diretoria de Meteorologia e pelas companhias Panair, Aeropostale e Condor[10].

Além de uma aventura aérea, o raid ganhou uma grande importância diplomática. Não podemos esquecer que o então Presidente provisório Getúlio Vargas havia chegado ao poder através de um golpe. Uma empreitada como essa, colocando na rota todos os países latino-americanos e sendo chamada pelos jornais com termos como "vôo de confraternisação e cordialidade continental", tinha como um de seus objetivos melhorar as relações e percepções que as outras nações do continente tinham sobre o novo grupo que assumia o poder brasileiro. Por isso, os pilotos foram recebidos pelo chefe de estado no Palácio do Catete na Véspera da partida[11].

Segundo o “Correio da Manhã” de 12 de setembro, a decolagem ocorreu às 8h30min. O Campo dos Afonsos estava repleto de familiares, autoridades militares e diplomáticas, imprensa e curiosos. Um fato inusitado chama a atenção dos repórteres. Segundo o relato do periódico, os profissionais de comunicação notaram algo errado, como se algo estivesse faltando. Aí descobriram que Vidal e Mello recusavam-se a decolar, pois algo muito importante lhes faltava. Sem ninguém saber, a missão contava com um mascote, que até aquele momento ainda não havia embarcado. Era um galo de briga, que logo foi trazido dentro de um embrulho cheio de furos[12]. Depois desse impasse, a aeronave decolou e foi comboiada por outras três até os limites entre Rio de Janeiro e São Paulo de onde começou a comunicar-se com as autoridades a partir de mensagens telegráficas.

Imagens
**Jornais: Hemeroteca Digital Brasileira. Disponível em: https://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/.
***Fotos e cartões: Acervo do Museu Aeroespacial
Referências
1CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, p. 3, 12 set 1931.
2AVIAÇÃO NAVAL BRASILEIRA. Os primeiros "raids" da Aviação Naval. Disponível em: http://www.naval.com.br/anb/ANB-historico/ANB-hist05_raids.htm. Acesso em 30 jun 2016.
3INSTITUTO MILITAR DE ENGENHARIA. Concludentes de 1940 a 1944. Disponível em: http://www.ime.eb.br/1944-a-1940.html. Acesso em 30 jun 2016.
4FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS/CPDOC. Francisco de Assis Correia de Melo. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/francisco_de_assis_correia_de_melo. Acesso 30 jun 2016
5MAJOR-BRIGADEIRO-DO-AR GODOFREDO VIDAL. Disponível em: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/GodVidal.html. Acesso em 30 jun 2016.
6DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 10 set 1931, p.1
7Parte do avião em que vão os tripulantes e os passageiros; cabina.
8CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, p. 3, 10 set 1931.
9DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 10 set 1931, p.1
10CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, p. 3, 11 set 1931.
11A BATALHA, Rio de Janeiro, 11 set 1931, p. 1.
12CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, 12 set 1931, p. 3.

*O autor é Suboficial da Força Aérea Brasileira e Doutor em História Comparada pelo Programa de Pós Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

 

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