A inusitada interceptação do supersônico francês por um caça da Força Aérea Brasileira a Mach 1.4
Marco Rocha (Rocky) | Edição Por Robert Zwerdling em 3 de Outubro de 2012 às 11:18
Idos de 1985, época em que voava como capitão-aviador no 1º Grupo de Aviação de Caça na Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Numa bela tarde de muito sol e calor, ouço a sirene de alerta "cinco", após o qual o "caçador" tem no máximo cinco minutos para decolar. Deixo o solo e recebo orientação para voar no rumo leste. Estranho, uma vez que nossos voos costumavam partir com rumo oeste, no sentido da Serra do Mar e do Vale do Paraíba. Voo no rumo do VOR de Maricá e recebo autorização para acelerar a Mach 0.92, subindo sem restrições para o nível de voo 470 (47 mil pés). Finalmente, sintonizando a frequência da Defesa Aérea (THOR), recebo a posição de um alvo. Devo me aproximar de uma aeronave comercial, sem manobra de interceptação, e acompanhá-la até o Rio de Janeiro. Ao indagar o THOR sobre a posição exata do avião, sou surpreendido com a informação de que o jato estaria a 150 milhas náuticas, voando no nível 650 (65 mil pés) com velocidade de cruzeiro de Mach 2.2 (mais de duas vezes a velocidade do som). Sim, só um tipo de avião poderia apresentar tal performance: o Concorde.
Sou vetorado para a posição ARMIS, que é o último fixo da aerovia SST, específica para o voo do supersônico no trajeto entre Dacar, na África, e o Brasil. Como voo sempre com uma câmera fotográfica Olympus Pen EES-2, deixo-a pronta para registrar o encontro com a aeronave da Air France, que se aproxima cada vez mais do continente. E não demora muito para ter o primeiro "tally ho", ainda que apenas uma leve trilha de condensação 100 milhas à frente. A satisfação é a mesma de um caçador no momento em que avista a raposa. THOR informa que o Concorde iniciou a descida para o nível 400 (40 mil pés) e desaceleração para Mach 1.2. Executo, então, uma curva para interceptação, aproximando-me a sete horas do tráfego, com velocidade de Mach 1.4. Minutos mais tarde, o voo da Air France começa a aproximação para pouso no Galeão e reduzo a velocidade ainda mais. Me "encaixo" numa posição de seis horas, ou seja, logo à cauda do supersônico, que desce para o nível 300 (30 mil pés), mas ainda com velocidade bem mais alta do que a dos jatos comerciais, que voam em média a Mach 0.80.
Já sobre o continente, na área de São Pedro da Aldeia, sou surpreendido por uma manobra do Concorde que só poderia ter sido executada sobre o mar. Ao cruzar 20.000 pés de altitude, o jato começa a alijar combustível, o que força minha saída rápida de sua traseira. Reporto a ocorrência ao THOR, que pede confirmação, já que era um procedimento proibido de ser executado sobre o continente. Quando estou a 3.000 pés, já no setor da Ilha de Paquetá, sou orientado a abandonar a missão e prosseguir com proa da Ilha Rasa e dali seguir para uma aproximação do tipo PAR (Radar de Aproximação de Precisão) na Base Aérea de Santa Cruz com pouso na pista 04. Faço o debriefing e preencho tanto meu relatório quanto o Livro de Registros. O título no livro: "Interceptação do Concorde a FL350-300 e Mach 1.4".
Não sei se o piloto francês recebeu uma advertência ou qualquer outro tipo de reporte, mas certamente deve continuar se perguntando até hoje como as autoridades brasileiras descobriram que ele tinha alijado combustível no continente. Aqui vale um esclarecimento: o Concorde, a exemplo de outras aeronaves de alta performance, transferia combustível das asas para um tanque na cauda conforme acelerava, com o objetivo de ajustar seu centro de gravidade para o voo de cruzeiro. Ao desacelerar, a manobra era inversa. Talvez, nesse caso, possa ter acontecido um problema nessa transferência e os pilotos optaram por alijar o combustível. Porém, preferiram não informar nada aos órgãos de controle de tráfego aéreo.
O supersônico francês operou regularmente no país entre 1976 e 1982, executando a rota entre Rio e Paris, com escala em Dacar em 6h30min - um voo nesse trecho é cumprido normalmente em uma média de 10h30min. O Concorde da Air France, porém, acabou retornando ao país em diversas outras ocasiões, executando missões presidenciais e fretamentos. Em 25 de julho de 2000, o mundo foi surpreendido com a notícia de um grave acidente com o jato da Air France (F-BTSC) logo após a decolagem do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, que resultou na morte de 109 passageiros e quatro pessoas em terra. A causa: segundo as autoridades, uma peça que se soltou de um DC-10 da Continental Airlines na pista do aeroporto, causou o estouro de um pneu do Concorde durante a corrida de decolagem, cujos estilhaços romperam o tanque de combustível na asa, gerando fogo e a perda de controle da aeronave. Os aviões da Air France e da British Airways foram proibidos de voar até que recebessem melhorias, garantindo, assim, melhor segurança operacional. O retorno ocorreu em 7 de novembro de 2001, mas o supersônico voaria somente por mais dois anos. Altos custos de manutenção e do combustível tornaram o Concorde inviável, forçando Air France e British Airways a desativarem seus aviões. O ultimo voo ocorreu em 26 de novembro de 2003, quando o jato da British Airways, matrícula G-BOAF, partiu de Londres - Heathrow, sob o comando de Les Brondie, para ser deixado em Filton - Bristol (Inglaterra), onde fora fabricado.
O comandante Marco Rocha (Rocky) voa Boeing 777. Antes da aviação comercial, serviu à FAB, operando desde o DHC-5 Buffalo aos caças F-5E e participando de manobras em porta-aviões norte-americano e operações com os F-14 "Tomcat".
Conheça a primeira década da história do Instituto Tecnológico de Aeronáutica
“Antes de produzirmos aeronaves, precisamos produzir engenheiros”. Foi sob este ideal que, o então, Coronel Casimiro Montenegro Filho assumiu a missão de fundar as bases de uma indústria de aviação nacional. Nascia, assim, o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a primeira escola de formação de engenheiros aeronáuticos do Brasil, no ano de 1950, na cidade de São José dos Campos - SP.
O ITA, no alvorecer dos anos 1950, era uma escola distinta, pioneira e inovadora em educação superior no cenário acadêmico brasileiro, com a missão de preparar engenheiros militares e civis para o desenvolvimento tecnológico do país.
Tendo como base o modelo do Massachussets Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, a ideia era criar uma escola de engenharia aeronáutica e um centro de pesquisas e desenvolvimento que levaria a ciência e tecnologia aeronáutica ao mais alto nível.
ITA e CTA: A CONSTRUÇÃO DE UM SONHO
A concepção do CTA surgiu em meados da década de 40, por meio da visão de Casimiro Montenegro Filho, que buscava viabilizar a ideia de uma escola e um centro de aeronáutica no Brasil. Em uma viagem que fez para conhecer o MIT, pressentiu que seu plano se demonstrava cada vez mais viável, e quando retornou ao país, começou a escrevê-lo, iniciando pela tão sonhada escola.
Para isso, foi necessária a ajuda do professor Richard Harbert Smith, chefe do Departamento de Engenharia Aeronáutica do MIT e consultor do governo norte americano, que veio ao país em 1945 para verificar a viabilidade de implantação de uma organização técnica. Após diversas viagens, estudos, pesquisas, levantamentos do ensino superior e da indústria, conduzidos pelo Professor e também por Montenegro, criou-se o “Plano Smith”, que apresentava uma série de propostas e orientava todo o caminho para a concretização de uma escola de engenheiros de alta qualidade, além de uma indústria aeronáutica de alto nível.
Em 26 de janeiro de 1946, foi criada a Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica - COCTA, incumbida de efetivar todo o projeto. A localidade escolhida para implantar o centro foi o município de São José dos Campos – SP. A escolha da cidade se deu por alguns fatores indispensáveis à época: sua localização privilegiada, que ligaria à rodovia Rio-São Paulo, as condições climáticas favoráveis, a topografia plana e a facilidade de comunicações.
Ao longo de sua 1ª década de existência, o ITA firmou-se como uma escola de engenharia diferenciada, com um sistema educacional que proporcionava autonomia e liberdade acadêmica, baseado em períodos letivos semestrais e estrutura dividida em departamentos. O ITA dispunha, ainda, de diferencial em relação a outras escolas de engenharia do país devido à dinamicidade do currículo, que se renovava anualmente. Os alunos possuíam bolsas de estudos completas, que incluíam alimentação, serviços médicos, residência no campus, o que facilitava a dedicação exclusiva ao curso e a interação aluno-professor.
A EVOLUÇÃO
Atualmente, o ITA oferece seis cursos de engenharia: Aeroespacial, Aeronáutica, Civil-Aeronáutica, Computação, Eletrônica e Mecânica-Aeronáutica. A duração de cada curso é de cinco anos, sendo o conteúdo dos dois primeiros anos comum a todas as especialidades.
Ao longo de seus 70 anos, o ITA deixou muitas marcas de seu legado, provando que a visão de Casimiro Montenegro estava certa e o sonho foi concretizado. Atualmente, o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) – antigo CTA – e suas organizações subordinadas formam um complexo de pesquisa e desenvolvimento voltado a planejar, gerenciar e executar atividades relacionadas à ciência, tecnologia e inovação no âmbito do Comando da Aeronáutica.
Fonte: DCTA, por Tenente Larissa e Prof Hermelindo Lopes
Edição: Agência Força Aérea, por Tenente Fraga - Revisão: Major Monteiro
Fotos: Arquivo/ ITA
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