Entre 1958 e 1960, materiais de construção eram transportados por aviões para o planalto deserto, onde seria erguida a nova capital brasileira.
O texto a seguir é uma colaboração do médico e ex-piloto da Varig, Franklin Cunha. Evocando os momentos “heroicos e históricos” da construção de Brasília, que acaba de completar 60 anos, ele presta homenagem aos colegas comandantes: Ion Sá Weber, José Alencar Castro, Marcos Maravilhas, Mário Mendes de Morais, Paulo Carlos Krepsky e Paulo Fleury.
“Candango” foi termo dado aos trabalhadores que migravam à futura capital para construir Brasília. Palavra de origem africana, significa “ordinário”, “ruim”, “imprestável”. Cerca de 80 mil pessoas, vindas principalmente do Nordeste, foram para o cerrado lutar pela vida. Muitos morreram. O discurso de Juscelino Kubitschek forjou a figura de sujeitos corajosos, com aura de heróis, unidos em torno de um dever que merecia todo sacrifício. Na verdade, a principal força que movia os operários era o desejo de fazer um pé-de-meia para enviar a suas famílias, que permaneciam na aridez da economia nordestina. Apesar dos riscos, todos faziam horas extras, com etapas de trabalho de 24 horas, chamadas de “viradas”.
Haviam empreiteiras clandestinas, conhecidas como “gatos”. Subempreiteiros que configuravam uma situação entre trabalho escravo e a legalidade. Usavam trabalhadores sem vínculo empregatício formal. As obras tocadas pelos “gatos” realizavam-se mais rápido. O ritmo das empresas legais entrava em descompasso com a pressa exigida por JK, que precisava correr contra o tempo, a fim de que seu projeto de governo não fosse frustrado pela oposição agourenta. Assim, a terrível situação era tolerada. Para acompanhar o ritmo dos “gatos”, as demais construtoras também adotaram as “viradas”. Os candangos trabalhavam das seis da manhã às seis da manhã do dia seguinte.
O trabalho intenso, executado sob grande pressão, gerava problemas físicos e psicológicos. Há relatos de casos de loucura, agressões aos colegas e aos chefes de serviço, de homicídios e mesmo de suicídios. Em 1969, Brasília já tinha 80 mil favelados, que moravam em 15 mil barracos. A administração removeu essa população, agora dispensável, para assentamentos desprovidos de infraestrutura básica. Foi criada a Ceilândia, originada da sigla CEI – que significava Companhia de Erradicação das Invasões. Os “invasores” eram os construtores da cidade.
Sem direito a assento no “avião” (ou na cruz) do projeto de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, milhares deles seguiram outros itinerários, entre eles o caminho de volta à aridez geográfica e social.
Aeronautas
Entre 1958 e 1960, todo o material era transportado para o planalto deserto por aviões. A Varig, a Real e a Panair organizaram uma ponte aérea que levava o necessário para a construção não de um edifício, mas de uma cidade. Imagine-se o número e a frequência de voos que essa ciclópica tarefa exigiu. Os lendários aviões Curtiss C-46 e Douglas DC-3, em geral, partiam de São Paulo e levavam cerca de quatro horas para atingir Goiânia ou Brasília.
Nesta, não havia iluminação na pista de pouso, no início de chão batido e sem torre de controle. Transportávamos de tudo: máquinas, material sanitário, tijolos, telhas, cimento, ferramentas e equipamentos elétricos da Siemens, vindos da Alemanha. Há histórias quase inverossímeis dessa “batalha aérea” para entregar Brasília (ou parte dela), a fim de concretizar o sonho de JK: “50 anos em 5”. Havia poucos lugares para comer e dormir. Na churrascaria Presidente, pilotos e engenheiros se encontravam. JK, Niemeyer, Lúcio Costa e Israel Pinheiro almoçavam ao nosso lado e nos felicitavam pelo trabalho.
Reportagem de Ricardo Chaves no GAÚCHAZH ALMANAQUE
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